- Gato, me escuta, ele só atende uma vez por mês! - Bê estava afoito, ele se atropelava do outro lado da linha. - Essa é nossa chance, Leo, por favor, vem comigo!
Bê estava há meses tentando uma consulta com um tarólogo bambambam que, dizem por aí, foi quem descobriu o câncer da famosa esposa de um conhecido político anos atrás.
Esse papo entre Bê e eu aconteceu em outubro de 2014 e, se você leu o livro, sabe que eu tinha acabado de conhecer o Nando.
- Bê, sei lá, tenho medo dessas coisas... - respondi.
- Pelo amor de Deus, Leonardo, medo de quê?
- Uai... Dele - “dele quem?", perguntou. - Deus, uai! Vou ficar tentando descobrir coisa que ele mesmo não me contou?
Bê me convenceu quando disse “você não tem curiosidade de saber se esse lance com o Nando vai pra frente?", e então perguntei, “mas posso perguntar isso?", “claro", respondeu ele, “e você tem lá outra pergunta pra fazer, gato?".
Bem, fomos. Bê e eu.
Olha, vou dizer a verdade, fui por três motivos: (a) Bê estava se cagando todo de ir sozinho, (b) o cara era conhecidíssimo na alta-roda mineira (Renato contou que ele é o guru de um grupo de dondocas belo-horizontinas que doam verdadeiras fortunas para a caridade em troca de um horário com ele) e, (c), bem, eu estava me apaixonando pelo Nando, não custava nada saber se aquilo tinha futuro ou não.
- TREZENTOS reais, Bernardo?!
- Isso é investimento, gato - respondeu ele tirando o talão de cheque da pasta enquanto uma senhora aguardava pacientemente.
- Tem desconto pra quem paga em dinheiro, moça? - perguntei revirando a carteira.
Bernardo entrou na minha frente, “vou lá, me espera aqui", e eu concordei com a cabeça, afinal, já estava pago mesmo.
“Esqueça essa história de querer entender tudo. Em vez disso, viva", era a única coisa disponível para ler naquela pequena sala de espera.
Eu fiquei lá, pensando naquilo, e imaginando o que Bernardo descobriria ali dentro.
Algum tempo depois a porta se abriu, Bê passou por mim, me deu as mãos e disse:
- Ele é ótimo - e eu pude perceber o brilho em seus olhos e o sorriso em seus lábios. - Vai com o coração aberto, tá?
E eu fui.
Um senhor sentado atrás de uma mesa com tampo de vidro me deu boa tarde, sorriu e apontou para um cartão que dizia: “nós não somos amigos. Você veio para ouvir o que tenho a dizer e não o que gostaria de ouvir, combinado?".
- Combinado - respondi, um pouco assustado, sorri e me sentei.
Ele perguntou meu nome, jogou os búzios, olhou para a mesa e sorriu em minha direção. Depois pegou o tarô no altar ao lado, perguntou onde nasci, quando nasci e a que horas nasci.
“Sagitário", disse ele, “mas com ascendente em escorpião" completou depois de pensar alguns segundos em silêncio.
Não sei muito bem o que ele quis dizer com aquilo, mas balancei a cabeça e concordei com os olhos.
- E o que você quer saber, Leonardo?
Contei que estava assustadoramente envolvido com um garoto mais novo. Sim, eu estava apaixonado e assustado, até porque, diferente de mim, ele não se aceitava e ainda estava prestes a viajar para longe, bem longe.
Então o homem pediu que eu dividisse o montinho em três. Ele organizou algumas cartas sobre a mesa, analisou o que fez e disse:
- Que bonito... - disse ele com um leve sorriso no rosto.
- O quê? - perguntei ansioso.
- Tem muito tempo que não vejo tanto amor nas cartas.
Sorri, me ajeitei na cadeira e pensei “é, eu estava certo, ele me ama".
- É tanto amor que você chegou aqui protegido por ele.
Uai... Que delícia ouvir isso, mas, pensei em voz alta, “a gente só se conhece há dois meses".
- Desculpa, eu me distraí, não estava falando do Nando - completou sem tirar os olhos do baralho.
- De quem, então? - perguntei, curioso. Ele encostou os cotovelos na mesa, cruzou os dedos e disse:
- Eu estou falando do seu pai, Leo. O amor que seu pai tem por você vem de duas, três ou mais vidas anteriores a essa. Sei que muita gente discordaria de mim, aliás, sei que essa é uma opinião polêmica, mas acho que seu anjo protetor e seu pai da Terra são a mesma pessoa.
Lembro que fiquei com os olhos marejados porque aquilo que ele disse foi algo que cresci ouvindo: claro que pais sempre amam seus filhos, mas o meu talvez não soubesse dividir sua cota de carinho com as outras esferas da vida, eu sempre recebi a maior parte.
E então o homem falou algumas outras coisas sobre minha vida profissional, minha saúde e a atenção que eu deveria ter ao usar filtro solar (“essa cor não é sua, Leo, cuidado com o sol").
- E o Nando? - perguntei quando senti que já estava chegando a hora de ir embora.
- Ah, o Nando - disse ele antes de jogar os búzios mais uma vez. - O Nando é uma pessoa muito especial, Leo. Aproveite.
Bê e eu fomos embora em silêncio.
Nós nunca conversamos sobre o que cada um ouviu aquele dia.
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Na semana passada, dia 1º de abril, dia da mentira, meu anjo protetor voltou para o céu.
Eu te amo, pai. Até a próxima vida.
Lindíssimo texto! Esse anjo continuará protegendo você.