Eu contei no Respira, meu romance autobiográfico, que comecei a trabalhar com publicidade assim que entrei na faculdade, lembra? Eu precisava dirigir para conseguir estudar e trabalhar em quase três turnos diferentes ao longo do dia.
Quis começar esse post falando sobre carro porque, além de essencial, ele foi, também, meu pequeno abatedouro: durante muito tempo toda sacanagem que eu fazia era sacanagem dentro do carro - eu tinha sempre os joelhos ralados, mal cicatrizava um e já ralava o outro, aliás, de onde veio tanta flexibilidade, e para onde foi, eu não sei dizer.
Foi em um desses abates que conheci o Paulo, mas eu duvido que o nome dele seja esse. Para quem conhece BH, eu morava no São Bento, a três quarteirões da pista de corrida que quase sempre fica vazia depois das oito da noite.
Desliguei o carro, esperei alguns minutos e logo depois ele apareceu. Paulo estava calado e visivelmente nervoso, aquele parecia o seu primeiro beijo - mas ele aprendeu rápido: segurei Paulo pelo pescoço, beijei sua boca e ele colocou a mão sobre meu colo procurando pelo meu pau, mas, assim que pegou nele, senti sua respiração falhar e ele tirou a boca da minha.
Paulo disse algo que não entendi, abriu a porta, saiu e nunca mais nos vimos.
Eis que um ano depois, Diego, Lucas, eu e os meninos fomos em um bar que eu já nem sei se existe mais.
Eu tinha acabado de fazer minha entrevista com Renato e nem desconfiava que estava prestes a trabalhar na agência da qual eu seria sócio no futuro.
Enfim, não lembro muito bem quem namorava quem naquela época, mas Diego estava solteiro e falou duas vezes sobre uma garota que passou pela gente, uma menina de arco, mas quem usa arco, gente?, enfim, ela usava, “a menina de arco".
Quando me levantei para pagar a conta (ainda existe esse esquema de comanda?), na esperança de incentivar os meninos a fazer o mesmo e irmos todos embora, entrei em uma fila com duas pessoas na minha frente e logo depois um terceiro apareceu atrás de mim.
Olhei uma vez, levei um susto, e então olhei de novo.
Era o Paulo.
- Opa - falei, sem graça, com um sorriso no canto do rosto. - Tudo bem?
Ele ficou em silêncio, olhou para os lados, em direção a porta atrás de mim e para o fundo do bar, onde os meninos estavam.
Então, Paulo inclinou o rosto na minha direção e com os lábios trêmulos falou:
- Olha pra frente - disse, baixo, sem sequer me olhar nos olhos.
- Não entendi - perguntei aproximando o meu rosto do dele.
- Olha pra frente - repetiu, mais uma vez, ainda olhando para o lado. Então, ele me fitou nos olhos pela primeira vez e disse - Olha pra frente, ou eu quebro suas duas pernas. Se você olhar pra mim eu juro que te deixo aleijado.
Atônito, dei um passo para trás. Geralmente sou encrenqueiro e sei bem o que responder nessas horas, mas Paulo me pegou de surpresa, precisei de alguns segundos para entender o que estava acontecendo.
- Pronto, lindo - a menina de arco apareceu ao seu lado e o beijou nos lábios. - Quê foi? - perguntou, preocupada, enquanto enxugava os olhos marejados do namorado.
- Cigarro - respondeu sorrindo para ela. - Deve ter alguém fumando aqui dentro.
Só saí do transe quando a moça do caixa gritou “próximo!". Paguei a comanda e sem me dar conta fui parar na calçada, lá fora, poucos segundos antes do Paulo e a menina de arco passarem por mim.
Pouco tempo depois, senti um braço passar pelo meu pescoço.
Levei um susto, achei que estava sendo atacado por trás, então comecei a me debater até sair dali.
- Leco, calma, sou eu! - gritou Diego com as mãos para cima enquanto eu me afastava cada vez mais. - Sou eu, cara! - disse ele, mais uma vez. - O que tá acontecendo, Leco?
Pedi desculpa, respirei fundo e contei sobre o dia que conheci Paulo e o que aconteceu ali.
Os outros meninos chegaram e sem entender muita coisa viram Diego transtornado: “você viu o carro dele?", mas eu ainda estava lento, não respondi de imediato, “responde, Leonardo, qual o carro dele?".
- Como ele tá vestido? Qual a cor da roupa dele? - perguntou Lucas, entrando no carro. - Entra, Leo, a gente vai atrás dele!
Mas, não, ninguém foi atrás de ninguém. A história morreu e nunca mais falamos sobre isso.
Bem, exceto por ontem. Quase doze anos depois, acredita?
--
Quem quiser saber a continuação dessa história, volta aqui que amanhã eu conto :)
Eita!!! Tô curioso.